O que é um trabalho decente?
Bernard Thibault: Em primeiro lugar, trata-se de assegurar o respeito dos direitos fundamentais dos trabalhadores, isto é, um salário digno, garantia de acesso a um sistema de proteção social (78% da população mundial são privados desse direito), assim como o direito à liberdade de associação. Estes critérios podem parecer muito amplos, mas, na verdade, ainda estamos muito distantes desse objetivo, já que, a nível mundial, 60% dos empregos são criados na economia informal.
Como o senhor vê os progressos obtidos nas últimas décadas?
Incontestavelmente, conseguimos diminuir a pobreza extrema e erradicar algumas pandemias. Apesar disso, ao mesmo tempo, o fenômeno que tenho presente é a extrema instabilidade da relação no trabalho. O direito ao trabalho está longe de ser obtido: a OIT estima que 190 milhões de empregos deveriam ser criados para absorver o desemprego mundial, sem contar os 344 milhões de empregos necessários até 2030, para acompanhar as evoluções demográficas…
Além da quantidade de empregos, insuficiente, cabe trazer à baila a questão de sua qualidade: denota-se atualmente uma verdadeira tendência de precarização do trabalho, de multiplicação de "miniempregos", que também desestabiliza a noção de trabalho decente, já que não pode haver emprego decente sem uma certa dose de segurança.
Trata-se de uma tendência mundial: é claro, algumas zonas do mundo são particularmente afetadas, pois o trabalho informal é majoritário (68% na Ásia-Pacífico, por exemplo). Nessas áreas, existe uma precariedade de fato, já que não há codificação do trabalho. Todavia, mesmo nos países considerados "desenvolvidos", a instabilidade e a precariedade progridem.
Em que medida o direito a um trabalho decente condiciona todos os outros direitos?
Quando é uma condição do reconhecimento da dignidade do trabalhador, como afirma a OIT, o trabalho está intimamente associado à cidadania. Aliás, basta observar a geografia mundial para constatar que as zonas onde a maioria dos trabalhadores está em situação de extrema precariedade são também aquelas onde a democracia não prospera.
O mesmo fenômeno é observado quando se trata da igualdade de gêneros: as zonas onde as mulheres têm acesso restrito ao emprego sobrepõem-se àquelas onde suas outras liberdades não progridem. O acesso a um trabalho decente proporciona autonomia e segurança às mulheres e condiciona, portanto, todos os outros direitos. É igualmente importante salientar que o trabalho garante acesso à proteção social, que também é fundamental para a dignidade das pessoas.
Que papel as empresas podem desempenhar, especialmente as multinacionais, no reforço dos direitos sociais dos trabalhadores?
Estamos atualmente numa configuração onde a economia mundial é mais impactada pelas decisões de um punhado de grandes multinacionais que pelas decisões dos Estados; ora, o direito social internacional repousa exclusivamente na capacidade dos Estados a aplicá-lo. Eis o verdadeiro paradoxo.
Trata-se, então, de completar a ação dos Estados por um dispositivo concebido em escala internacional – tipicamente, dentro da OIT – que possa exercer uma função de assistência, controle e aconselhamento dessas empresas. Isto seria bem mais eficaz que os dispositivos atuais de responsabilidade social das empresas, que baseiam-se no voluntariado!
Como convencer as multinacionais a implicarem-se mais na defesa dos direitos sociais?
Chegou a hora de deixar a ideia de sanção impor-se contra as multinacionais que não respeitem a Carta da OIT ao longo de toda a cadeia de valor. Nós construímos o direito sem aplicar um regime de sanções, o que não faz qualquer sentido. Hoje, as multinacionais gozam de uma posição muito confortável: elas participam da elaboração do direito internacional sem precisar prestar qualquer tipo de contas sobre a sua implementação.
É preciso criar as condições de um ambiente público que as obrigue a evoluir. A partir de critérios diferentes dos que prevalecem atualmente, assegurar que as empresas sejam transparentes sobre a maneira como protegem os direitos sociais dos trabalhadores. O combate corre o risco de ser complicado, pois a maioria dos Estados membros da OIT não está disposta a considerar esta possibilidade.
Com a lei sobre o dever de vigilância, votada em 2017, a França deu o exemplo, mas isso não basta se, nos bastidores, os outros países não "jogarem o jogo". Tanto mais que as próprias empresas estão conscientizando-se progressivamente da necessidade de dar mais transparência às suas práticas ao longo da cadeia de terceirização, para preservar sua reputação. A repercussão mundial do drama do Rana Plaza é prova disso.
Criamos uma quantidade incalculável de regras para enquadrar o comércio internacional, sem que nenhuma se fixe sobre sua dimensão social. Acho que, sob a pressão do consumidor, isto pode evoluir.
Quais seriam as soluções imediatas a aplicar?
Se tivesse capacidade de legislar em âmbito internacional, eu estabeleceria um rótulo mundial aos cuidados da OIT que permitiria que qualquer consumidor soubesse em que condições sociais um produto foi fabricado, elaborado, transportado e distribuído. Isto permitiria que os consumidores julgassem o comportamento das empresas quanto aos produtos encontrados no comércio e na distribuição.
Em seguida, a liberdade de associação dos trabalhadores deveria ser melhor garantida: um grande número de liberdades decorre desse primeiro direito; num país onde os trabalhadores são silenciados, eles não podem intervir em nenhum assunto. Reconhecer àqueles que trabalham o direito de se associarem para se exprimir coletivamente condiciona uma série de coisas.
Por fim, é imperativo que as empresas sejam mais transparentes sobre a forma como protegem (ou não) os direitos sociais dos trabalhadores, instaurando uma regulamentação verdadeiramente vinculativa.
O senhor continua, apesar de tudo, otimista?
Confesso que atualmente, não estou muito otimista quanto à capacidade dos Estados de considerar outras abordagens e outras opções, de defender uma visão do mundo partilhada e um futuro comum coerente em torno da justiça social. No plano político, a tendência atual vai mais no sentido do desenvolvimento de um nacionalismo mesquinho e perigoso… A quantidade de países que só pensam em seus próprios interesses aumenta; existe um real questionamento do multilateralismo! Por exemplo, na OIT, após as últimas eleições presidenciais no Brasil, a voz deste país – que é um país de peso – mudou radicalmente.
Mas ainda não perdi todas as esperanças, pois o engajamento sindical é feito de otimismo e, sobretudo, porque tudo isso é uma questão de escolha: esta situação não caiu do céu, ela é a consequência de escolhas passíveis de revisão.
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