“O maior risco do século XXI para a saúde pública, mas também a maior oportunidade.” É assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) apreende a desregulação climática atual. Numa avaliação, ela estima inclusive as possíveis consequências: em média, cerca de 250 mil mortes suplementares por ano, entre 2030 e 2050.
Como as mudanças climáticas afetarão nossa saúde? Já estamos sofrendo seus efeitos? Quem será mais afetado? O que podemos fazer para limitar seus efeitos?
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Impactos
Constatação
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as atividades humanas já causaram um aquecimento global de 1 grau Celsius, em relação aos níveis pré-industriais. Os últimos quatro anos foram os mais quentes jamais registrados desde 1880, data de início das medições de temperatura da superfície terrestre. E os episódios caniculares (onde a temperatura excede os 35 ºc) são cada vez mais frequentes.
Hoje
Segundo a revista científica The Lancet, o número de pessoas vulneráveis às ondas de calor - por exemplo, sujeitas a um mal-estar ou a um agravamento da insuficiência cardíaca - passou de 125 milhões, em 2000, para 175 milhões, em 2015. Em 2003, uma canícula já havia causado mais de 70 mil mortes na Europa.
O aumento das temperaturas também afeta a produção agrícola. De acordo com essa mesma revista, a partir do ano 2000, a produtividade dos trabalhadores diminuiu 5,3% nas zonas rurais, ameaçando os meios subsistência das populações campesinas no mundo inteiro, enquanto a desnutrição crônica já afeta mais de 800 milhões de humanos.
As concentrações no ar de alérgenos e poluentes (pólen, ozônio, etc.) Têm igualmente tendência a aumentar com a temperatura, causando crises de asma e agravando as doenças cardiovasculares e respiratórias.
Por último, a frequência das violências tende a aumentar com o aquecimento planetário: +4%, em média, para cada grau acima das normais sazonais, de acordo com um estudo. Quanto mais elevada é a temperatura noturna, pior é a qualidade do nosso sono e mais irritáveis ficamos no dia seguinte.
Amanhã
Com o aumento das temperaturas mundiais, as ondas de calor devem se tornar mais frequentes e mais intensas. Associadas uma forte uma umidade, como nas regiões tropicais, poderiam, inclusive, se tornar mortais, até o fim do século: 48% a 74% da população mundial poderia, assim, ser forçada ao exílio, segundo uma pesquisa, com consequências em cascata sobre o acesso aos cuidados dessas populações.
Em 2050, quase metade das terras cultiváveis da África estarão, provavelmente, sujeitas a condições climáticas até hoje inéditas, com consequências graves para a produção agrícola. A América Latina e o sul da Ásia também se verão, seguramente, confrontados a problemas de segurança alimentar. De acordo com The Lancet, cada grau de aquecimento suplementar provocaria uma queda de 6% do rendimento do trigo, e de 10% do rendimento do arroz.
Em termos de poluição do ar, espera-se que as mortes que lhe são atribuídas aumentem com a subida das temperaturas, sobretudo na África, a favor de uma urbanização rápida.
Constatação
Foi provado que as atividades humanas contribuíam para desregular o regime das chuvas no mundo. O número de catástrofes naturais ligadas à meteorologia registrado a cada ano mais que triplicou, desde os anos 1960.
Hoje
A frequência e a intensidade das inundações aumentam, provocando afogamentos e favorecendo a transmissão de doenças como a cólera. Os episódios de seca devidos à ausência de chuvas também se fizeram mais numerosos, nos últimos anos.
Amanhã
“O caráter cada vez mais aleatório das precipitações terá, provavelmente, efeitos sobre o abastecimento de água doce. A falta de água salubre pode comprometer a higiene e aumentar o risco de doenças diarreicas, que matam cerca de 500 mil crianças de menos de 5 anos por ano, segundo as estimativas da OMS. É provável que, daqui até 2090, a mudança climática estenda as zonas afetadas pelas secas, duplique a frequência das secas extremas e multiplique sua duração média por seis.”
“As catástrofes naturais induzidas pelos eventos climáticos extremos (inundações, secas) são as que provocam as consequências mais graves.”, previne Christophe Paquet, responsável pela divisão Saúde e Proteção Social da Agence Française de Développement (AFD), “Com efeito, elas expõem os grupos mais vulneráveis a choques exógenos que impactam, não somente a sua saúde, mas, mais largamente, sua capacidade de sobrevivência econômica.”
Constatação
O aquecimento climático está perturbando as áreas de repartição de muitas espécies animais e vegetais. Algumas fogem de águas que se tornaram demasiado quentes ou de terras demasiado áridas. Outras, ao contrário, colonizam novos territórios a favor de temperaturas mais clementes.
Certas espécies de mosquitos, como o mosquito-tigre, estendem assim sua área de influência.
Ora, estes podem veicular doenças como a dengue ou a chicungunha em zonas onde as populações não estão preparadas lidar com elas.
Na Austrália, são os ratos que deixam por milhares as regiões onde o alimento se faz raro, em direção às grandes cidades, transportando doenças e infectando outros animais à sua passagem.
Hoje
O aquecimento climático foi associado ao aumento da incidência da malária no Quênia e em Madagáscar, bem como à re-emergência da chicungunha no Oceano Índico, em 2005. O mosquito vetor da dengue viu, quanto a si, sua aptidão a transmitir a infecção aumentar mais de 9%, desde 1950, de acordo com um relatório publicado pela revista científica The Lancet.
Certas doenças veem também seus períodos epidêmicos alongar-se: é o caso da meningite, que perdura na África Saheliana, em proveito de uma estação seca mais longa e zonas desérticas mais extensas.
“Mais da metade dos Estados-Membros da Organização da Saúde Animal assinalam igualmente a emergência ou a re-emergência de doenças infecciosas diretamente associadas ao clima, começando pela febre do Vale do Rift, a febre West Nile e a febre catarral ovina”, observa Christophe Paquet.
Amanhã
Com a extensão progressiva das áreas de distribuição dos mosquitos vetores da dengue ou da chicungunha, a predominância dessas doenças poderia ser claramente mais importante nos próximos anos. Segundo certos estudos, 2 bilhões de pessoas suplementares poderiam ser expostas ao risco de transmissão da dengue, daqui até 2080.
As chuvas abundantes, associadas a temperaturas mais elevadas, também poderiam favorecer a proliferação da cólera e das doenças diarreicas, em caso de falta de higiene e saneamento. Prevê-se também que as epidemias de meningite se propaguem para além de suas áreas históricas na África, deixando lugar a estações secas cada vez mais longas e intensas.
E isso refere-se apenas ao que podemos esperar, uma vez que novas doenças potencialmente difíceis de tratar poderiam emergir.
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Vítimas
Todos nós ressentiremos os efeitos da desregulação climática. Porém, algumas populações estão mais expostas do que outras, como, por exemplo, as de pequenos Estados insulares, as do litoral, as das montanhas, as das regiões tropicais, as das zonas polares e as das grandes metrópoles.
Outras, também, são mais vulneráveis, por viverem em países onde o trabalho ao ar livre é comum, os aparelhos de ar condicionado pouco utilizados e, sobretudo, dotados de sistemas de saúde muito débeis. “Nos países menos desenvolvidos, os sistemas de saúde estruturalmente frágeis, subfinanciados, que já enfrentam os desafios das transições demográficas e epidemiológicas, não poderão responder a essas situações sem robustos esforços de reforço de suas capacidades”, previne Christophe Paquet.
Estima-se hoje que 100 milhões de pessoas são confrontadas a cada ano a despesas de saúde as que levam a cair na pobreza, por falta de proteção social adequada. Na África e no sudeste da Ásia, uma em cada três famílias é obrigada a vender bens ou endividar-se para financiar cuidados vitais.
Mais frágeis que o resto da população, as crianças, as mulheres grávidas, as pessoas idosas, deficientes ou doentes serão ainda mais vulneráveis às consequências sanitárias do aquecimento global.
Uma grande injustiça está surgindo lentamente: embora pouco tenham contribuído para o aquecimento planetário, os cidadãos dos países pobres e em desenvolvimento são os que pagarão o preço mais alto.
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Soluções
Esta é a solução mais óbvia. Para limitar os efeitos das alterações climáticas sobre a saúde humana, precisamos começar por detê-las e, para tal, reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa. Mudanças essenciais impõem-se em vários setores: transportes, alimentação, habitação, indústria, florestas… Isso vem a calhar, pois um grande número de soluções já pode ser implementado.
Neste plano, a Agence Française de Développement está plenamente mobilizada: ela apoia hoje muitos países na revisão de seus compromissos climáticos e na definição de estratégias a longo prazo de baixo carbono e resilientes. Ela também se fixou dois grandes objetivos: tornar sua atividade 100% compatível com o Acordo de Paris sobre o clima, e consagrar pelo menos 5 bilhões de euros de financiamentos por ano em benefício do clima, a partir de 2020.
Cada vez mais cidades e países começam a desenvolver medidas de adaptação às consequências do aquecimento planetário. Objetivo: reduzir os impactos futuros e aumentar a resistência das populações afetadas.
A AFD acompanha hoje uma série de países vulneráveis na implementação de tais medidas: apoio à preparação de programas estruturantes no domínio da adaptação às mudanças climáticas, apoio à construção de diques, restauração de espaços naturais… Em 2018, a AFD consagrou 1,6 bilhões de euros a essas ações.
A qualidade dos sistemas de saúde dos países mais pobres também determinará sua resiliência às alterações climáticas. “Nos países menos desenvolvidos, devemos apoiar esforços de adaptação nos seis pilares de um sistema de saúde definidos pela OMS: as infraestruturas, os equipamentos, os medicamentos, os recursos humanos, a governação e os sistemas de informação.”, detalha Christophe Paquet, responsável pela divisão Saúde e Proteção Social da AFD, “Para tornar isso possível, é imperativo reunir os recursos disponibilizados pela ajuda ao desenvolvimento em programas de adaptação que integrem uma visão holística da saúde e transponham a luta contra uma doença específica.”
Por exemplo, a Agence Française de Développement apoia, em Comores, um programa que permitiu reabilitar hospitais e postos de saúde, adquirir equipamentos e medicamentos, formar enfermeiros e parteiras, e implementar um sistema de pré-pagamento que permite que as mulheres beneficiem de acesso quase gratuito à medicina obstétrica.
Em 2018, a AFD investiu 497 milhões de euros em benefício da saúde mundial, resultando numa melhoria de acesso a cuidados para 14 milhões de pessoas.
Christophe Paquet: “O grande desafio é reforçar os sistemas de saúde dos países pobres”
Graves crises sanitárias podem ser evitadas ou, pelo menos, atenuadas, reforçando os dispositivos de detecção, acompanhamento e alerta das epidemias a nível regional.
Isso implica facilitar a comunicação das informações sanitárias entre países e às populações sobre as epidemias em curso, mas também reforçar as capacidades desses países de combater as doenças.
“Graças ao auxílio da AFD, a Comissão do Oceano Índico é, por exemplo, dotada de uma capacidade de vigilância e alerta de doenças que cobre hoje seus cinco Estados-Membros, incluindo a França para a Ilha de Reunião. Há pouco tempo, contribuímos para adicionar uma vertente sobre a saúde animal. Se o ser humano quiser manter-se saudável, é preciso que seu ambiente também o seja”, explica Christophe Paquet. Hoje e sempre, mais vale prevenir do que remediar.