• logo linkedin
  • logo email
Mexique afd biodiversité climat forêt
Que relação existe entre a atual crise ambiental e a epidemia mundial de Covid-19? Quais são os riscos e oportunidades em matéria de preservação do clima e dos ecossistemas? Entrevista cruzada com Gilles Kleitz, diretor do Departamento de Transição Ecológica da Agence Française de Développement, e Damien Navizet, responsável pela divisão Clima.
Na sua opinião, a epidemia de Covid-19 tem sua origem na crise ecológica que estamos vivendo?

Gilles Kleitz: Ainda é muito complicado responder a esta questão. O que podemos dizer, desde já, é que os fenômenos epidemiológicos que temos visto nos últimos anos, SRA, MERS, H5N1, H1N1, ebola, etc., estão ligados à maneira como os seres humanos ocupam o espaço e utilizam os animais selvagens.

A multiplicação do contato humano com novos meios naturais, potenciais reservatórios de agentes patogênicos, assim como o comércio de animais selvagens, a concentração de espécies selvagens e domésticas em cativeiro e a criação intensiva em condições sanitárias deploráveis na periferia urbana, contribuem para aumentar os riscos de contágio. No sudoeste da China, os epidemiologistas descreveram condições particularmente propícias ao desenvolvimento de estirpes virais. A massificação do comércio, do consumo e dos transportes amplifica, então, muito rapidamente estes fenômenos.

Damien Navizet: As mudanças climáticas, cujas atividades humanas também são responsáveis, estão abalando uma série de equilíbrios. Novas áreas estão se tornando propícias ao estabelecimento de espécies vetoras de doenças, tais como o mosquito tigre, que é suspeito de transmitir a malária, e está agora bem instalado no sul da Europa.

Também estamos começando a perceber que a poluição atmosférica fragiliza nossos organismos face aos ataques externos, como é o caso do coronavírus.


Por mais paradoxal que pareça, esta epidemia oferece uma trégua sem precedentes à biosfera...

Damien Navizet: Sim, algumas atividades econômicas geradoras de gases de efeito estufa cessaram. O confinamento limita os transportes e o consumo - apesar da afluência aos supermercados - e, reduz, assim, os resíduos e a poluição. Desse ponto de vista, a notícia é boa.
Porém, no momento, trata-se apenas de uma breve pausa, potencialmente reversível quando a crise sanitária terminar. Inversamente, se perdurar mais tempo que o previsto, é provável que notemos uma série de benefícios ambientais a longo prazo. As lições aprendidas serão então mais fortes. A duração desta crise é, portanto, um parâmetro importante.

Gilles Kleitz: Trata-se, efetivamente, de um intervalo em relação a uma série de questões ambientais. Tomemos por exemplo o comércio de pangolim: temos de lidar com a situação de emergência, mas também precisamos ver mais longe.


Vários eventos importantes sobre o clima ou a biodiversidade foram adiados (COP26, COP15, Congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza) ou cancelados (One Planet Summit). Que consequências esta crise terá para essas grandes prioridades internacionais?

Damien Navizet: Estes adiamentos privam o clima e a biodiversidade de compromissos políticos essenciais. O ano 2020 deveria ser um ano particularmente importante para o clima. A previsão era atingir 100 bilhões de dólares por ano de transferência dos países do norte para os do sul, mais duramente atingidos pelas mudanças climáticas. O cancelamento da COP não impedirá a realização de progressos nesta questão, mas é provável que a epidemia impacte os fluxos financeiros norte-sul e, por conseguinte, o alcance dos 100 bilhões em 2020.

No ano que vem (a maioria dos grandes acontecimentos foi adiada para 2021), teremos, no entanto, um maior recuo. Os planos climáticos têm uma duração de 5 ou 10 anos e, em princípio, não serão postos em causa. Mas como a COP26 é a data-limite para os países atualizarem seus compromissos, alguns podem ser tentados a ignorá-los.

Gilles Kleitz: No que se refere à biodiversidade, também não é assim tão grave que a agenda seja adiada. Trata-se do tempo suplementar para refletir e preparar melhor os grandes encontros, desde que se mantenha uma boa mobilização dos atores.


Será que esta crise sanitária apresenta oportunidades?

Gilles Kleitz: A recessão econômica e o confinamento são boas oportunidades para sensibilizar as pessoas em relação à proteção dos ecossistemas e convencê-las de que não podemos repartir como antes, reproduzindo as mesmas causas que terão os mesmos efeitos, e ignorar as consequências da devastação dos ecossistemas e da biodiversidade, e os seres humanos mais pobres e mais frágeis.

Não devemos deixar que esta crise seja rapidamente esquecida. É evidente que seremos obrigados a repensar nossas práticas. O que reconstruiremos, depois da pandemia? Que sistema agrícola queremos promover? Não há uma resposta única a uma situação como esta. Contudo, podemos construir um novo sistema mais resiliente, onde os fatores que favorecem as epidemias sejam reduzidos.

Damien Navizet: E a opinião pública pode tornar-se favorável a certas coisas benéficas para o meio ambiente, porque terão demonstrado o seu interesse para a resiliência de nossas sociedades neste tempo de crise sanitária.

Hoje, forçamos as mudanças de comportamento para fazer face à epidemia. Ora, a urgência climática exige mudanças da mesma ordem! Isto mostra que somos efetivamente capazes de tomar este tipo de decisões. 

Evidentemente, não se trata de confinar as pessoas para proteger o clima, mas sim de dar mais um passo rumo ao teletrabalho, ao consumo de produtos locais e à redução dos deslocamentos. A diferença é que, com o clima, podemos antecipar essas mudanças para que sejam menos rudes. Poderíamos prever mudanças de hábitos em inúmeras áreas.

Gilles Kleitz: Nosso trabalho na AFD já consiste em encontrar soluções concretas para um mundo sustentável: apoio aos sistemas públicos de saúde, criação de redes de água potável e de centros de saúde no meio rural, apoio às políticas veterinárias, gestão inteligente dos recursos e dos espaços naturais, reabilitação de bairros degradados...


Uma vez a crise sanitária terminada, como os Estados, as empresas e os cidadãos podem ser remobilizados para a crise ecológica?

Damien Navizet: Continuando a martelar o assunto e salientando a correlação entre essas duas crises. Durante uma crise sanitária como a que estamos atravessando, há um risco de desmobilização em relação a questões ambientais. Ora, se, uma vez a epidemia controlada, voltarmos como antes a trabalhar na direção errada, chegaremos rapidamente aos níveis de poluição anteriores à crise. Aliás, a China já levantou a moratória sobre a construção de novas usinas de carvão.

É por isso que, além da emergência sanitária imediata, na segunda resposta a esta crise, na elaboração dos planos de relançamento das economias, será preciso reafirmar a necessidade absoluta de proteger o meio ambiente. Será também necessário que este movimento seja geral, começando pelos atores financeiros.

Quanto mais nós, na AFD, formos um parceiro fiável na resposta de emergência, mais nossas propostas em favor de uma maior consideração do meio ambiente serão ouvidas. Trata-se de uma oportunidade para nós, e é razoável pensar que não serão mal recebidas. Tanto mais que estas abordagens são frequentemente criadoras de empregos locais, em especial nos setores da eficiência energética, dos transportes limpos e da restauração de habitats naturais.

Gilles Kleitz: Este relançamento deverá inscrever-se nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): pensar natureza, pensar clima, pensar social. Falta hoje um discurso sobre as causas profundas desta pandemia de Covid-19: o comércio de espécies selvagens, a colonização dos meios florestais, as densidades humanas fortes, os fluxos mundiais de gêneros alimentícios muito pouco regulados. Temos de responder a isso.

Em termos políticos, continuaremos a defender o respeito da proibição do comércio de animais protegidos, mas também devemos recordar os fundamentos que unem a humanidade e os seres vivos, lembrar que a perturbação da biosfera provoca incertezas imensas que são sempre difíceis de gerir. Por último, não podemos esquecer que é necessário envidar mais esforços para preservar esta biosfera, já que ela garante a nossa própria preservação.