Artigo publicado originalmente em 14/06/2024 e atualizado em 05/12/2024
A mudança climática e uma inflação global galopante reverteram décadas de progresso na área da segurança alimentar. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, 9% da população mundial sofre de fome, o que representa mais de 700 milhões de pessoas. Esse número aumentou em pelo menos 100 milhões desde o início da pandemia de Covid-19 em 2019.
Desde então, os preços de importantes produtos alimentares básicos dispararam. Segundo o Banco Mundial, o preço do milho disparou 19% e o do trigo, 24%. O preço do arroz, por sua vez, aumentou 46% em apenas alguns anos.
“Todos os países enfrentam a desnutrição, embora ela se manifeste de maneiras diferentes em cada um. Ela afeta a todos”, explica Brieuc Pont em um podcast do Fórum de Paris sobre a Paz. Ele é secretário-geral da cúpula Nutrition for Growth, uma iniciativa global que visa reunir governos, doadores, empresas e ONGs para avançar mais rapidamente na luta contra a desnutrição.
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Essa busca por soluções também está no centro de um novo livro do romancista Erik Orsenna e do ex-ministro francês da Agricultura, Julien Denormandie. Neste livro, intitulado Nourrir sans dévaster, os dois conversam com agricultores, especialistas e historiadores no Brasil, na Ucrânia e no Egito. Eles investigam como os alimentos são produzidos, desde os métodos preocupantes e excessivamente dependentes de pesticidas, até o retorno a métodos mais naturais para uma produção sustentável.
O trabalho deles começou na França, uma potência agrícola, onde, no entanto, 16% da população não come o suficiente. Na França, assim como em outras regiões, a inflação é uma das principais causas para o ressurgimento da desnutrição. Essa situação é ainda agravada pelo aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, uma tendência que está se espalhando por todos os países do Sul, incluindo o Brasil. Apesar de uma diminuição nos níveis de desnutrição nas últimas décadas, as taxas de obesidade no Brasil aumentaram significativamente: passaram de 3% nos anos 1970 para 22% em 2019 entre os homens e para 30% entre as mulheres.
A desnutrição pode ser causada pela falta de alimentos, mas também por alimentos de baixa qualidade que não fornecem os nutrientes necessários. “Alguns países em desenvolvimento estão passando de dietas tradicionais, ricas em cereais e fibras, para uma alimentação mais ocidental, rica em açúcar e gorduras”, explica Brieuc Pont no podcast do Fórum de Paris sobre a Paz. Muitas vezes, essa transição é acompanhada por um aumento nos casos de doenças não transmissíveis, como diabetes e obesidade.
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Por exemplo, os modos de vida das populações amazônicas foram afetados por décadas de desmatamento. Estima-se que 45% dos habitantes do norte do Brasil sofrem de insegurança alimentar. No cerrado brasileiro, Erik Orsenna e Julien Denormandie encontraram um agricultor conhecido como Neto, que cultiva milho, trigo e soja. Com o preço dos fertilizantes cada vez mais alto, ele conseguiu aumentar a produtividade do solo vermelho e fértil da região ao introduzir bactérias benéficas para a nutrição das plantas, gerando micronutrientes como o ferro.
O jornalista britânico George Monbiot, especialista em meio ambiente, está em busca de técnicas inovadoras para a produção de alimentos saudáveis. Em seu livro Regenesis: Feeding the World Without Devouring the Planet, publicado em 2022, ele revela um verdadeiro milagre dos tempos modernos no sul da Inglaterra: mais de 100 variedades de legumes crescendo em terras que não são classificadas como terras cultiváveis.
George Monbiot encontrou Iain Tolhurst em sua fazenda, situada entre Oxford e Reading. A fazenda obteve resultados tão extraordinários que agora é objeto de estudos científicos. Seus campos são constituídos por fileiras de árvores e vastos canteiros de flores, onde crescem 75 espécies de flores silvestres. Os rendimentos continuaram a crescer sem o uso de pesticidas, fertilizantes ou insumos artificiais. Em vez disso, Iain Tolhurst utiliza a rotação de culturas e adubos verdes: plantas e flores cujas raízes retêm a água no subsolo fora de época. Quando essas plantas se decompõem, elas enriquecem o solo de forma natural, beneficiando as culturas na temporada seguinte. “O objetivo? Que as plantas forneçam ao solo pelo menos tanto carbono e minerais quanto retiramos”, explica Iain Tolhurst.
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A rica variedade de culturas, plantas e flores atrai, por sua vez, numerosos insetos e animais, incluindo aqueles que atacam e controlam as pragas, criando assim um círculo virtuoso. “A biodiversidade é o motor da fazenda. Quando me perguntam o que cultivo, respondo: biodiversidade. Os legumes são um subproduto”, acrescenta Tolhurst.
Métodos naturais como esses precisam ser multiplicados e ampliados se o planeta quiser ter uma chance de alimentar a população mundial, que deve atingir 10 bilhões de pessoas até o final do século.
O Grupo Intergovernamental de Especialistas em Mudanças Climáticas alerta: a desertificação, a perda de terras e a degradação do solo podem tornar incultiváveis até 10% das terras cultiváveis atuais para a produção de alimentos.
O 11º índice global de segurança alimentar do The Economist, publicado em 2022, mostrou um fosso entre países como Finlândia e Irlanda, de um lado, e muitos países da África Subsaariana, do outro, países que obtiveram uma pontuação baixa em grande parte devido às restrições quanto à quantidade, acessibilidade, qualidade e segurança dos alimentos disponíveis.
Os países que alcançam bons resultados em termos de segurança alimentar geralmente investem em pesquisa e desenvolvimento, além de contar com infraestruturas de abastecimento sólidas. Os pesquisadores também observaram que capacitar as mulheres agricultoras permitiu aumentar os índices de segurança alimentar global em mais de 18%.