Finança em Comum: 10% dos investimentos globais para mudar o mundo

publicado em 07 October 2020
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Finança em Comum: 10% dos investimentos globais para mudar o mundo
Os 450 bancos públicos de desenvolvimento mobilizam um décimo dos investimentos mundiais. O que esta soma representa? O que está em jogo e que desafios continuam sendo enfrentados por estas instituições financeiras de outro gênero? Antes da primeira cúpula mundial dos bancos públicos de desenvolvimento, que se realizará em Paris, em novembro de 2020, analisaremos aqui alguns elementos de resposta.

A soma é vertiginosa. Mais de 2 trilhões de euros: esta é a soma investida anualmente pelos 450 bancos públicos de desenvolvimento (BPDs) no mundo. Ou seja, cinco vezes o orçamento total da França ou, ainda, 200 vezes o orçamento da cidade de Paris. Com 10% dos investimentos mundiais todos os anos “podemos reorganizar todo o sistema”, resume um ator do desenvolvimento. 

Eles estão praticamente em toda parte

Sempre que uma fazenda solar sai de terra, uma escola abre as portas, um hospital é inaugurado, os bancos públicos de desenvolvimento ocupam um lugar de destaque nos créditos dos investidores. Na Europa - porque os bancos de desenvolvimento não atuam apenas nos países mais pobres - o Viaduto de Millau, o Túnel do Canal da Mancha e a Linha 14 do metrô de Paris foram financiados por BPDs. O Banco Europeu de Investimento é também o maior banco multilateral de desenvolvimento do mundo, à frente do Banco Mundial. 

Estes bancos, cujo objetivo não visa o lucro, geram confiança e incitam os bancos comerciais a colocar um pé onde habitualmente não se atreveriam nem a colocar um dedo, visto que o risco é muito grande ou as perspectivas de rentabilidade são muito reduzidas. O Grupo Agence Française de Développement (AFD), que implementa a política de solidariedade e desenvolvimento da França, atua em 115 países, principalmente no continente africano, onde financia ou acompanha um grande número de projetos. 

Um instrumento de influência virtuoso

Ao longo do tempo e dos desafios que marcaram o mundo, o papel dos BPDs evoluiu. Cada vez mais numerosos, liderados pela AFD, promovem, entre outros, o financiamento de projetos favoráveis à igualdade de gênero, ao combate às mudanças climáticas, à biodiversidade e à saúde. 

Em todos os casos, os BPDs são os financiadores. Os adjudicantes - Estados, autoridades locais, empresas, etc. - decidem da natureza dos projetos submetidos a financiamento.  Contudo, os bancos públicos de desenvolvimento podem incitar os comanditários a propor projetos mais virtuosos, ou mesmo a se implicarem em projetos favoráveis ao meio ambiente e às populações, além da mera rentabilidade financeira.

Frente comum

Porém, é preciso prosseguir objetivos similares a nível dos 450 estabelecimentos em questão. “Precisamos mudar completamente nosso modelo a nível mundial, mas ninguém tem uma chave mágica ou uma receita instantânea”, observa Régis Marodon, Assessor de Finanças Sustentáveis da AFD. Definir objetivos comuns, normas conjuntas e uma visão comum dos investimentos públicos em escala mundial: é isto que está em jogo na cúpula Finança em Comum, que terá lugar em Paris de 10 a 12 de novembro. “O objetivo desta cúpula é fazer com que todos caminhem no mesmo sentido”, resume o perito da AFD, “bem como conseguir publicar uma declaração comum forte e concreta para os 450 BPDs, algo inédito na história destas instituições.”


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No entanto, o caminho para a assinatura é permeado de obstáculos. Os países menos desenvolvidos precisam de estradas, meios de transporte e outras infraestruturas que requerem a liberação de grandes quantidades de gases de efeito estufa. Por diferentes razões, que vão da geopolítica a considerações ideológicas e questões de política interna, grandes países emissores como China, Estados Unidos, Rússia ou Brasil estão marcando passo para se juntarem à coorte dos investidores prioritariamente responsáveis. 

A interdependência e as interações entre os diferentes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nem sempre são devidamente consideradas. Ora, trata-se de um eixo de progresso extremamente importante, visto que sua própria natureza ainda é muito negligenciada pelo setor privado. Assim, a análise do relatório sobre o investimento no mundo 2020 da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED) mostra que os fluxos internacionais do setor privado em direção a quatro dos dez principais campos-chave dos ODS não aumentaram substancialmente desde a adoção destes objetivos em 2015. Segundo a CNUCED, é necessário promover o investimento em infraestruturas, energias renováveis, água e saneamento, alimentação, agricultura e cuidados com a saúde.

A avaliação e o impacto global a longo prazo dos projetos financiados também devem ser mais bem examinados, num período de tempo longo, bem superior à inauguração dos programas.


Agir imediatamente

Como a crise financeira de 2008 demonstrou, e a era da Covid-19 confirma, os bancos públicos de desenvolvimento são a espinha dorsal de um mundo abalado em muitas frentes. Mas “eles têm que se reinventar”, adverte Régis Marodon. “Com a crise sanitária mundial e suas conseqüências, a urgência econômica e social tende a ter precedência sobre os aspectos ambientais. É preciso conseguir articular estes dois aspectos e fazê-los funcionar juntos, e não às custas um do outro.” 

Chega de declarações de boas intenções! Agora, precisamos agir: “Listar os problemas, questionar as disfunções dentro dos BPDs e agir coletiva e transversalmente para irrigar com boas práticas todos os projetos, como, por exemplo, as questões de gênero ou o combate às mudanças climáticas.” Somente então 10% serão suficientes para progredir significativamente.