No Quênia, a floresta protegida preserva a água

Marsabit, eau, Kadandara
No Quênia,
a floresta protegida
preserva a água
200.000
pessoas impactadas
300
sistemas de coleta de águas pluviais instalados
50%
de elefantes a mais
No meio do deserto, no norte do Quênia, os 16.000 hectares da floresta de Marsabit constituem o único manancial permanente do condado. Um tesouro cuja proteção é essencial para toda a região.

Nessa região árida do norte do norte do Quênia, dizem que até os elefantes têm o cuidado de deixar a floresta durante a estação chuvosa para permitir que ela se regenere. Mas a dependência das populações locais em relação à lenha, às pastagens para o gado e à água provocou uma forte degradação do ecossistema. O ciclo de regeneração das árvores, perturbado pela urbanização, a agricultura sedentária e as alterações do clima levou à perda de 1,6 ha de cobertura florestal por ano. Dessa forma, a floresta primária, que atrai a névoa da atmosfera todos as manhãs para alimentar as suas reservas de água, está desaparecendo aos poucos.

Para proteger esse recurso precioso, a AFD financia, desde 2012, um projeto integrado de melhoria do manejo do ecossistema da floresta, implementado pelo Kenya Wildlife Service, com a participação das comunidades locais. Esse projeto consiste em propor pontos de acesso à água alternativos, fora da floresta, para os habitantes e o seu gado. O mesmo para os animais selvagens e as sociedades pastorais nômades, ao longo dos corredores de migração essenciais para a sobrevivência do ecossistema. Com o alívio dessa pressão, a floresta poderá regenerar-se em seguida e continuar desempenhando a sua função de caixa d’água da região.
 

Marsabit, água, Kadandara
Marsabit, água, Paul, Kadandara
Paul Wambi: “Não se pode desobedecer à natureza”
Paul Wambi é Vice-Diretor da reserva de Marsabit. Entre as suas funções de servidor do Kenya Wildlife Service estão a segurança da fauna, a gestão dos conflitos entre usuários do local (humanos e animais) e as questões comunitárias que envolvem a reserva. Para Paul, a degradação da floresta é intimamente ligada às comunidades do entorno:

“Quase todo o condado de Marsabit é um deserto. E essas árvores, elas estão bem, estão grandes, com boa saúde, por isso a maioria dos habitantes mora em volta da floresta. A sua sobrevivência depende dela, em termos de pastagens, de lenha e de água para o gado e as casas. Mas essa dependência excessiva levou à degradação desse lugar privilegiado.”

A degradação ameaça diretamente a fauna selvagem. Mas a administração da reserva está atenta: “Aqui podemos ver zebras de Grévy. São animais ameaçados que são endêmicos do norte do Quênia. Marsabit é um dos últimos lugares onde se pode vê-los andando livremente. Isso, é graças à nossa proteção, mas também graças ao apoio das comunidades.”

Pois a competição pelo acesso à água e às pastagens provoca graves conflitos entre os humanos e a fauna, que é preciso gerir: “Durante a seca, principalmente, muitos elefantes invadem as fazendas para conseguir água. Às vezes, eles chegam a matar pessoas.”

Um dos aspectos chave do projeto de proteção da floresta “é a construção de quatro barragens de retenção das águas pluviais, que vão reduzir o número de pessoas que entram na mata atrás de água”, explica Paul. “Eles também deixarão de penetrar nos corredores de migração dos animais.” Segundo o Vice-Diretor, é necessário trabalhar com as comunidades, pois os destinos de todos estão ligados: “Incentivamos as escolas, os indivíduos, as comunidades, os grupos de mulheres... Todos devem se envolver, pois se nada fizermos, sofreremos as consequências de ter desobedecido à natureza.”
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Bernard quer “acabar com os problemas da comunidade”
Bernard Leitoro é um ancião da comunidade Samburu de Kituruni, na beira da floresta. Responsável pelos problemas de água do grupo, ele nos mostra o lugar escolhido pela comunidade para construir uma barragem de retenção das águas pluviais: “A gente costuma vir aqui pegar a água desse poço. É um lugar muito importante para a gente, mas a água está faltando há muito tempo.”

Aqui, a água faz tanta falta que as necessidades são hierarquizadas: “Quando a água chega, as pessoas, as crianças, devem esperar o gado beber primeiro, antes que possam pegar água.”

Bernard espera que a quantidade de água aumente para que os problemas da comunidade acabem: “O que a gente espera com o projeto, é que ele permita reter a água da chuva. Para ter grandes quantidades de água. Ninguém mais vai ter problemas quando a gente começar a bombear a água para os reservatórios. As pessoas vão poder irrigar e cultivar plantas que não têm. A fome vai diminuir porque o gado vai ter acesso à água pelo outro lado.”

De fato, a barragem será equipada com um sistema de tanques para onde a água será canalizada. Dessa forma, os animais selvagens e o gado poderão beber sem sujar a represa de água pluvial destinada ao consumo humano.
 Marsabit, água, Jerusha, Kadandara
Jerusha Mwenda: “plantar bananas para aumentar a renda”
Jerusha veio morar em Songa, uma pequena aldeia perto da floresta de Marsabit, em 1990. Ela se lançou na agricultura, uma prática ainda pouco comum à época. “Quando cheguei aqui, comecei a plantar kale [espinafre, NdT], tomates, feijão e milho.”

A sua roça dispõe de uma mangueira ligada a uma das nascentes da floresta, mas o acesso à água é minuciosamente racionado: Jerusha recebe água para a sua fazenda apenas uma hora por dia. O recurso é tão precioso que outros fazendeiros desviam a alimentação dela se ela não conseguir utilizar a água assim que chegar: “Às vezes, não tem onde estocar a água, então tem que ir ali e guardar a mangueira para que os outros não a abram.”

O projeto permitiu cavar uma represa de retenção da água na sua roça. Essa retém as águas de chuva que, sem ela, escorreriam e se perderiam rapidamente. Ela também permite armazenar a ração de água vinda da floresta: “A represa me ajuda muito, é por isso que eu pedi. Muitas vezes, quando não tem ninguém para me ajudar quando guardo a mangueira, eu jogo a outra ponta aqui dentro. Depois eu posso usar a água para a fazenda.” Com essa nova reserva, Jerusha tenciona cultivar bananeiras: “São o melhor cultivo, porque o preço está alto.” Com isso, Jerusha pode sonhar com um futuro melhor.
 Marsabit, água, cerca, Kadandara
Uma cerca para diminuir as tensões com a fauna selvagem

Os animais selvagens representam uma parte crucial do ecossistema da floresta. Quando á água é escassa, os elefantes, bem como as hienas, podem invadir as fazendas atrás de pontos de água. O projeto permitiu definir esses pontos de tensão com as comunidades do entorno da floresta. Foi restaurada uma cerca elétrica de 7,2 km instalada para afastar os elefantes. Outros 10 km foram construídos, para atingir um total de 42 km.

Mas se os animais não migrarem, a floresta, sobrecarregada, pode morrer. Foi preciso, portanto, respeitar os corredores de migração seguidos todos os anos pela fauna selvagem, e não obstruí-los. Para ajudar os animais, barragens de areia foram colocadas ao longo desses corredores de migração para as outras áreas de vida dos animais. Esse sistema permite reter a água no fundo do leito dos rios, que escorre rápido demais por causa da dureza dos solos depois da seca. As populações nômades do deserto também utilizam esses pontos para saciar a sede do seu gado.

Quando a coleta da água serve para plantar árvores
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Marsabit, Eau, KadandaraEm volta da floresta, 100 cisternas foram distribuídas, algumas delas acopladas a um sistema de calhas para coletar a água da chuva. O objetivo é permitir que os habitantes sedentarizados desenvolvam os seus próprios viveiros e plantem as suas árvores fora da floresta, para não mais depender desta. No total, 200 cisternas de 5.000 litros serão instaladas e quatro viveiros comunitários já foram criados, que produziram 29.000 mudas.​​​​​​​​​ 

Preservar as árvores, a água... e a cultura
© Nyasha Kadandara / AFD
© Nyasha Kadandara / AFD


As mulheres da comunidade Borana Kubi Dibayu criaram um grupo destinado a resgatar a sua cultura tradicional. Aqui as casas, os móveis, os ornamentos, tudo vem da madeira. Elas se associaram ao projeto e receberam uma das cisternas distribuídas para cultivar suas próprias árvores. Na sua cultura, a preservação da floresta é crucial... Mas o projeto também constitui uma oportunidade que querem aproveitar ao contribuir com a animação do museu cultural, outro componente do projeto que está sendo construído e será administrado pelo Kenya Wildlife Service.


Trabalhar com as comunidades para um resultado sustentável


O projeto também inclui a distribuição de 3000 jikos de baixo consumo de lenha. Esses fogões tradicionais, amplamente usados pela população local, permitem diminuir o consumo de lenha no preparo da alimentação. 

500 colmeias de última geração também foram distribuídas, de um total de 1000, pois os habitantes, consumidores de mel desde sempre, procuram desenvolver a produção com fins comerciais. Essas colmeias permitem substituir o uso tradicional de lenha que implicava destruir as colmeias para colher o mel. A produção de mel está bem encaminhada e as populações, conscientes de que sem floresta não há mel, apoiam mais ainda a sua conservação.

Por fim, o Kenya Wildlife Service trabalha com a Water Resource Users Association, uma associação multicomunitária empenhada na implementação de um plano global de gestão das bacias hidrográficas e na coleta de dados úteis para a manutenção do ecossistema local.