Violência sexual nas filipinas: A troca de pele do camaleão

Situado no final de uma estrada de terra, o centro Cameleon, da associação de mesmo nome, aparece: cobertas de pinturas alegres e coloridas, as paredes ecoam os risos infantis... Apesar da aparência de colônia de férias, o lugar não dá margem a dúvidas: a entrada é estritamente protegida para garantir a segurança das 50 jovens pensionistas, com idade entre 7 e 18 anos.
Vítimas de violência sexual, perpetradas em 60% dos casos por um membro de sua família, elas procuram neste refúgio de paz um lugar para se reencontrarem e reconstruírem, graças a um projeto apoiado pela Agence Française de Développement (AFD) desde 2017.
Os casos são relatados pelo Departamento de Previdência Social e do Desenvolvimento (DSWD), uma agência governamental responsável principalmente pela identificação e o apoio a essas vítimas. Desde o momento da admissão, as meninas beneficiam de cuidados adequados e de uma cobertura completa de suas necessidades básicas, além de habitação, saúde, assistência jurídica e educativa, intervenções psicossociais (com a ajuda de psicólogos e psiquiatras, se necessário), formação profissional, esportes e circo para suas atividades físicas, tudo isso com a ajuda e sob a supervisão de mães de família e assistentes sociais. Em média, as pensionistas permanecem aqui em tempo integral durante três anos, até estarem prontas para voltar para suas famílias ou deixar o centro.
Durante este período, o centro oferece-lhes um novo ambiente familiar, com figuras parentais – assistentes sociais, motoristas, jardineiros… – mas também irmãs e colegas. Angela (todos os nomes foram modificados), 16 anos, está no centro há mais de um ano; Floribeth, 17, há três anos. Nós as acompanhamos durante um dia típico.
O despertador começa a tocar. Floribeth bem que teria dormido mais algumas horas. “Mas gosto de ir à escola, temos sorte de poder frequentá-la”, diz. Rapidamente, as 50 meninas começam suas “obrigações”: lavagem da roupa, cozinha, limpeza… Todas sabem exatamente o que têm a fazer e se ativam sem hesitação.
Está na hora do café da manhã, que é tomado coletivamente. Mais do que uma refeição, é o primeiro momento de cordialidade do dia. As meninas mais velhas ajudam as mais novas a se instalar.
Hora de ir à escola, onde as meninas permanecem o dia inteiro. Angela está contente: “Minhas matérias preferidas são Filipino e Matemática. Quero estudar para ser professora e compartilhar meus conhecimentos, ajudar os outros a atingir seus objetivos!” A escola e Cameleon trabalham juntas para garantir a segurança das meninas; os professores estão cientes dos diferentes casos, a fim de lhes proporcionar um acompanhamento mais eficaz.
Fim da aula: as meninas retornam ao centro. Certas noites são animadas por atividades esportivas: rúgbi, voleibol… O esporte ocupa um papel central no programa. “Gosto muito de rúgbi, que me permite relaxar!”, explica Floribeth. Shaira, assistente social, completa: “O esporte permite que as meninas esvaziem a raiva que guardam dentro de si e recuperem uma forma de equilíbrio. Elas se sentem mais em posição de força.”
Após um tempo dedicado à contemplação - sob forma religiosa ou não - as meninas começam a preparar o jantar e, novamente, efetuam suas obrigações. “Fico contente por termos tarefas a fazer, assim, ficamos ocupadas o tempo todo e não sobra tempo para o tédio”, diz Angela. Para Mary Ann, assistente social, essas tarefas permitem responsabilizar as pensionistas: “Elas aprendem a fazer tudo o que precisam em suas vidas, para que possam se virar sozinhas ao deixar o centro!”
Hora do jantar! A comida é preparada pelas meninas sob a supervisão das mães de família. Uma atenção especial é dada ao equilíbrio e à diversidade dos menus.
As meninas fazem os deveres de casa. As que têm mais facilidade ajudam as outras a entender as lições do dia. A palavra-chave é a ajuda mútua, e é no bom humor que este momento de estudo se desenrola.
“O circo é um elemento central do programa de reconstrução das crianças”, explica Heide, diretora do centro. “Ele permite que elas se apropriem novamente de seus corpos, se expressem através da arte e recuperem sua autoconfiança.” O circo é uma das atividades favoritas de Floribeth: “O que mais amo é quando as pessoas olham para nós e ficam impressionadas, dizem ‘Uau!’, e nos aplaudem. Nesse momento, sinto orgulho de mim mesma.”
A Cameleon é a primeira ONG a propor esse tipo de programa nas Filipinas – e o circo se tornou a sua identidade. As meninas se produzem em diferentes lugares, diante de variados públicos, mas também no âmbito dos eventos de promoção da causa da Cameleon – sempre com o rosto pintado para conservar o anonimato. Cada representação é acolhida com uma salva de aplausos.
Vale a pena dizer que elas são treinadas pelos melhores: todos os anos, artistas da Escola Nacional de Artes do Circo francesa vêm ao centro para treinar as meninas em diferentes disciplinas. Este ano, dois artistas do Cirque du Soleil também passaram algumas semanas com elas, para aperfeiçoar seus números.
Todos os anos, as meninas são avaliadas para determinar se estão prontas para regressar a suas famílias e comunidades. Se forem consideradas prontas e aptas, são transferidas para o programa de reintegração. Nesta fase, as meninas podem voltar para suas famílias, se estiverem em segurança. Os riscos são altos: a maioria dos casos de abuso é de natureza incestuosa. A Cameleon trabalha, portanto, incansavelmente com a família das meninas para sensibilizá-las e prepará-las à reintegração nas melhores condições possíveis.
“Enfrentamos casos muito diferentes: às vezes, as famílias são muito compreensivas e ajudam, sensibilizando inclusive sua própria comunidade”, explica Heide. “Outras vezes é mais complicado, e não podemos mandar as meninas de volta para suas famílias.” Nesses casos, as meninas podem ser colocadas em pensões, num dormitório da Cameleon ou numa família de acolhimento.
65 meninas fazem atualmente parte desse programa. Elas recebem apoio psicológico e financeiro até terminarem seus estudos. Para a maioria delas, muitas vezes oriundas de meios desfavorecidos, este apoio dá-lhes a oportunidade de concluir seus estudos e encontrar sua vocação. Muitas são hoje professoras, empresárias ou assistentes sociais. Desde a abertura do centro, em 1998, 57 meninas encontraram um emprego estável, ou seja, quase todas as antigas pensionistas.
A vocação das ONGs não se limita à reconstrução das jovens. O objetivo é também prevenir o abuso sexual de crianças e interceder nessas questões. Para isso, a Cameleon desenvolveu duas associações: Voice of Cameleon Children (VCC), que denuncia abusos sexuais e defende os direitos das crianças junto ao público em geral; e Cameleon Youth Health Advocates (CYHA) que sensibiliza estudantes e professores para a gravidez precoce e a educação sexual. “Que melhor maneira de falar com adolescentes que através de outros adolescentes?” interroga Japhet Grace Moleta, responsável pelo programa Advogar.
Além disso, para fortalecer suas atividades de advocacia, a Cameleon organiza uma conferência anual intitulada “Breaking the Silence” (Quebrando o Silêncio). Reunindo as agências governamentais e não governamentais, incluindo a polícia, os professores, os advogados, os magistrados do Ministério Público, os assistentes sociais e o setor privado, a iniciativa visa informar estes atores e encorajá-los a se comprometerem para por fim ao abuso sexual de mulheres e crianças.
Isto permitiu à Cameleon exercer atividades de lobbying a nível nacional para aumentar a idade legal do consentimento sexual (abaixo da qual não pode ser invocado qualquer consentimento). A Cameleon espera convencer o senado filipino a aumentar a idade de 12 para 16 anos. A nível internacional, uma beneficiária da Cameleon foi convidada a representar os jovens na Assembleia da Juventude das Nações Unidas, onde falou sobre o trabalho e as iniciativas da ONG nas Filipinas.
Aos 18 anos, Laurence Ligier voou pela primeira vez para as Filipinas, a fim de participar de uma missão humanitária. Após uma experiência em Iloilo (centro do arquipélago), ela percebeu que não existia estrutura para acolher as meninas vítimas de violência sexual numa região particularmente vulnerável. Depois de arrecadar fundos, ela funda, finalmente, a associação Cameleon, em 1997.
Laurence Ligier passa então sete anos no lugar desenvolvendo o centro, localizado em Passi, na ilha de Panay. A partir de 2004, ela abre um escritório na França e, em seguida, na Suíça e em Luxemburgo. Um novo centro é inaugurado em 10 de outubro de 2011, em Silay, West Negros, para acolher mais 20 meninas, além de 20 outras, em aftercare. Ainda hoje, ela visita as Filipinas duas a três vezes por ano, por períodos de dois meses, e pretende manter a expansão da ONG abrindo vários centros para acolher ainda mais meninas. E mudar seus destinos.
Por que “Cameleon”?
Laurence Ligier, diretora e fundadora da Cameleon: “Escolhi o nome ‘Cameleon’ porque ele simboliza o sentido da nossa missão: tal como o camaleão, que muda de cor para se adaptar ao seu ambiente, ajudamos as crianças a se transformarem física e moralmente, passando da exclusão a um futuro melhor.”