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De la mère à la terre
As sabedorias tradicionais, transmitidas de mãe para filha nos territórios ultramarinos da França, podem desaparecer, embora ofereçam uma alternativa às consequências do aquecimento global. O projeto De la mère à la terre (Da mãe à terra) destaca o papel inestimável desempenhado por essas mulheres na defesa do meio ambiente, além da emancipação que elas alcançam através dessas práticas.

"Trançar é tecer, é um cordão umbilical. Tenho a sorte de ter uma mãe que possui todas essas habilidades, que pude adquirir ao longo dos anos", explica Maureen Taputu, artesã de trançado

Em Rurutu, nas ilhas austrais da Polinésia, as mulheres são especialistas do trançado de folhas da planta tropical pandanus e do bambu. Essa é uma prática transmitida de mãe para filha e é parte integrante da identidade polinésia.

A avó de Maureen e sua mãe, Tiaré, lhe ensinaram as técnicas de trançado desde muito cedo. Hoje, ela está transmitindo esse conhecimento a uma jovem de 16 anos da aldeia, Tuaaneanau, que possui enorme interesse por outras culturas, embora seja apegada às suas tradições: “faço o trançado com o coração porque essa é a minha cultura e foi com ele que cresci”.

Maureen
Maureen Taputu e sua mãe, Tiaré, guardiãs da tradição do trançado em Rurutu, Polinésia © En terre indigène 

 

Além de ser uma forma de arte por si só, o trançado também é uma alternativa ecológica ao plástico, como explica a documentarista Anne Pastor, que criou o projeto De la mère à la terre en Outre-mer (Da mãe à terra na França ultramarina): “Você pode pensar que o trançado não passa de um artesanato, mas antes da chegada dos colonizadores à Polinésia, ele era utilizado para tudo: revestimento de barcos, construção de casas... Hoje, essa técnica pode realmente substituir o plástico, já que as leis de 2020 do país proíbem sacolas plásticas: as pessoas estão usando cestas ao invés delas, por exemplo, e há pesquisas que indicam que o trançado de pandanus pode até proteger os corais”

Essa tradição, que vem sendo transmitida de geração em geração, também constitui um vínculo social muito forte entre as mulheres e lhes dá independência econômica, graças à venda de suas criações: “Sou autônoma e independente financeiramente”, diz Maureen. “O trançado é um fator de emancipação. Eu me sinto livre, emancipada e valorizada”

Dando voz às mulheres dos povos originários

Anne Pastor trabalha com povos originários e mulheres há mais de vinte anos. Em 2018, com a associação En terre indigène, ela lançou o projeto La voix des femmes autochtones (A voz das mulheres indígenas), que "dá voz a mulheres exemplares em suas ações e compromissos em 16 países". O resultado: 40 retratos, uma grande plataforma e um livro publicado em 2022.

Com seu novo projeto, De la mère à la terre (2022-2025), ela dá continuidade ao seu compromisso através desse trabalho com as mulheres dos territórios ultramarinos da França: “nos territórios ultramarinos da França, as mulheres das comunidades locais, responsáveis pela gestão dos recursos naturais e pela transmissão da sabedoria, não esperaram para implementar soluções alternativas, pois estão sofrendo as consequências do aquecimento global na segurança alimentar, no acesso à água potável e até mesmo no declínio da educação, reforçando as desigualdades de gênero.

Mulheres resilientes enfrentando as mudanças climáticas

A plataforma on-line De la mère à la terre en Outre-mer destaca o conhecimento ecológico de sete mulheres, e outras sete ainda estão por vir. A colheita de sal em Mayotte, as plantas medicinais nas Ilhas Marquesas (podcast acima) e a agricultura de corte e queima na Guiana Francesa são modelos de resiliência diante das mudanças climáticas. 

“A agricultura de corte e queima na Guiana Francesa é a agricultura tradicional da floresta amazônica, o que Pierre Rabhi chamou de 'sobriedade feliz'”, explica Anne Pastor. “Todos nós poderíamos buscar inspiração nesse tipo de agricultura, onde tudo é preservado, nenhum fertilizante é utilizado, a terra repousa...”.

A floresta amazônica ocupa 96% do território da Guiana francesa e é o lar de 2.800 índios Kali'na, que vivem em seu litoral. Muitos deles ainda garantem sua subsistência através da pesca, caça e agricultura.

Cecile Kouyouri
Cécile Kouyouri defende a técnica ancestral de corte e queima na Guiana Francesa © En terre indigène 


Guardiã das tradições Kali'na, Cécile Kouyouri luta há mais de vinte anos para recuperar suas terras ancestrais. Para ela, “sem terra, um ser humano não pode viver, muito menos um povo indígena”. Ela conseguiu vencer essa batalha em 2019, quando o Estado devolveu aos povos 1.000 hectares de concessão coletiva e 39.000 hectares de zona de direito de uso coletivo.

As técnicas de corte e queima, combinadas com práticas agroflorestais mais modernas, representam uma alternativa à agricultura intensiva e garantem a segurança alimentar de muitas famílias.    

Transmissão para a comunidade através de workshops

O projeto De la mère à la terre demonstra a importância da transmissão de práticas de mãe para filha, que estão desaparecendo, mas também para as mulheres das comunidades locais. Ao organizar oficinas de transmissão - 78 em três anos - o objetivo é duplo: preservar a sabedoria ancestral e, ao mesmo tempo, valorizar o papel das mulheres.

“Com os workshops de transmissão de sabedoria, também pretendemos capacitar as mulheres, explica Anne Pastor. Esperamos que algumas mulheres tenham vontade de dar continuidade a essa atividade. Há também um importante componente educacional, com cerca de cem workshops voltados para os jovens”.

A associação En terre indigène também intervém a pedido das comunidades através de oficinas de capacitação e liderança e ao lado das populações mais vulneráveis na França e no exterior. A expressão oral torna-se, então, uma ferramenta de prevenção terapêutica, retransmitida na forma de podcasts, vídeos ou publicações, para ajudar outras pessoas a reconstruir suas vidas e conscientizar a população.


De la mère à la terre é um projeto apoiado pelo departamento Três Oceanos da AFD e pela Fundação Chanel.