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Como garantir um acesso equitativo das mulheres e meninas à saúde, especialmente na África? Integrando mais o gênero às reflexões sobre a condução das políticas de saúde pública. Explicação...

Aminata, trinta e poucos anos, mãe de cinco filhos, conserva uma lembrança traumática de seu parto, no centro de saúde de Andokoua-Abobo, nos arredores de Abidjan. Ao chegar ao centro, após ter feito o trajeto de sua casa até lá a pé, apesar de suas contrações, a equipe de saúde lhe ministrou imediatamente duas doses de uma infusão intravenosa de ocitocina (soro para acelerar as contrações do parto), sem que ela tivesse pedido. Rapidamente, sua mão incha, sem que a parteira tome o tempo de vir vê-la. Assim que o bebê nasceu, “o ar entrava e secava o sangue dentro de mim”, explica ela a Yannick Jaffré e Jean-Pierre Olivier de Sardan, autores da pesquisa Medicina inóspita, as difíceis relações entre equipes médicas e pacientes em cinco capitais da África Ocidental. “Ela retirou o coágulo, eu estava com muita dor; o segundo também; na terceira fase, recusei. A dor era abominável. Eu disse que cuidaria daquilo sozinha, em casa.

As mulheres mais expostas aos riscos

Para os dois sociólogos, o testemunho de Aminata resume perfeitamente os riscos associados à assistência médica das mulheres em certas regiões do globo. Principalmente na África Ocidental, onde representam 80% dos pacientes acolhidos nos centros de saúde primária, as mulheres são as que mais sofrem as consequências das disfunções dos sistemas de saúde.

Desde o acesso ao centro de saúde até o mau diagnóstico feito pela equipe durante a assistência médica, sem esquecer a falta de cuidados básicos pós-natais, todas as etapas do percurso de cuidados de Aminata foram pontilhadas de armadilhas. À jovem mãe também não pouparam diferentes formas de violência física e psíquica.

Durante muito tempo escondidas, essas diferentes falhas ameaçam, portanto, diretamente, a saúde de milhões de pacientes no mundo, bem como a como a de seus filhos. Felizmente, a situação está começando a mudar. “Com a integração gradual da questão das desigualdades entre mulheres e homens nas reflexões sobre a condução das políticas de desenvolvimento, emerge, doravante, a necessidade de tratar de forma diferenciada as práticas das mulheres em matéria de saúde e identificar corretamente suas necessidades específicas”, nota Anne Roos-Weil, referente de gênero na divisão Saúde da Agence Française de Développement (AFD).

O peso dos tabus

Primeira problemática: melhorar o acolhimento e a assistência médica prestada às pacientes pela equipe de saúde. “Observamos que muitos membros da equipe médica chegam diante de suas pacientes com uma série de preconceitos sobre o que convém ou não fazer, adotando uma postura de douto que exclui a escuta. Há um real trabalho de formação a fazer, a este nível”, explica a perita.

Por sua vez, as mulheres acolhidas nos estabelecimentos de saúde, por razões decorrentes da precariedade econômica, da falta de educação ou dos tabus que ainda pesam sobre o discurso ligado ao corpo em inúmeros países, nem sempre ousam formular suas necessidades: “Em muitos casos, elas não se sentem suficientemente legítimas para fazer perguntas à pessoa encarregada de prestar-lhe cuidados”, confirma Anne Roos-Weil.

Outra problemática capital: sensibilizar seus eventuais companheiros, grandes ausentes da assistência médica, mesmo quando estão diretamente envolvidos, como nos serviços de obstetrícia ou pediatria. “Como a saúde é considerada ‘um assunto de mulheres’”, diz Anne Roos-Weil, “os homens podem não se sentir legítimos para se implicar nessas questões, se informar, acompanhar suas mulheres ou, às vezes, procurar assistência médica para si mesmos”.

Um problema societal global

Que respostas devem ser dadas a estas diferentes problemáticas? A chave é adotar uma abordagem transversal, modernizando as políticas de saúde pública para conseguir mudar as mentalidades de forma perene, muito além dos muros do hospital. “As discriminações ligadas ao gênero são um problema societal global”, constata a especialista da AFD, “É por isso que os vários projetos que apoiamos tentam alcançar diferentes espaços sociais e envolver, por meios originais, populações variadas”.

Comunicar sobre o gênero, sim, mas de maneira lúdica. Esta é a principal ambição da série de TV C’est la Vie!, em Português, “É a Vida!”, inspirada do conceito de Edutainment (Edutretenimento), que produz conteúdo educacional utilizando valores do entretenimento e permite desenvolver, através da identificação com os personagens, modelos de percurso de vida atraentes para as mulheres jovens e lidar mais facilmente com assuntos encarados como tabus.

E para alcançar a população masculina? A AFD apoia o AlloLaafia, um serviço de envio em massa de mensagens de sensibilização por SMS, personalizadas em função do gênero, que mostrou, em Burkina Faso, sua eficácia para atrair os homens (mais da metade dos assinantes) e envolvê-los nas questões de saúde.

A problemática da formação

Para os profissionais de saúde, a sensibilização para as problemáticas das questões de gênero é também um desafio crucial. Assim, no Chade, a AFD acompanha um programa de formação prática destinado a todos os escalões da atividade médica e adaptado às realidades do terreno. “Além das competências técnicas, os parceiros da Expertise France, como o Mouvement Français du Planning Familial*, formam os agentes de saúde para tomar em consideração as barreiras que as mulheres enfrentam em matéria de acesso a serviços e a seus direitos”, conta Anne Roos-Weil.

No Afeganistão, a AFD participa do desenvolvimento de estruturas “sensíveis ao gênero”: espaços concebidos para as mulheres e a elas dedicados. E em Sidi Bouzid, na Tunísia, a agência apoia o desenvolvimento de uma abordagem participativa na concepção e organização do hospital, que dá um lugar importante às associações de mulheres da região, para garantir que suas necessidades e expectativas sejam consideradas em todas as etapas.

Por último, a AFD ajuda os Estados que instauram sistemas de financiamento destinados a aliviar esta barreira financeira, especialmente, em se tratando dos cuidados obstétricos (pacote obstétrico na Mauritânia, cheque saúde em Camarões, pré-pagamentos para os cuidados obstétricos em Comores). Pois, além das ações de sensibilização destinadas a uma transformação duradoura das mentalidades, é preciso igualmente garantir a todas as mulheres a possibilidade de financiar seus cuidados. 


*Movimento Francês de Planejamento Familiar