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Afrique du Sud, Andiswa Mkosi
Nos países em desenvolvimento, a noção de classe média comporta disparidades ainda mais acentuadas do que nos países industrializados. E gera ideias preconcebidas que importa desconstruir.

O que escondem as "pessoas do meio"? Em todo o mundo, particularmente nos países em desenvolvimento, a definição de classe média é um desafio. O projeto de investigação intitulado "Implications de l’essor des classes moyennes sur l’évolution des politiques publiques dans les pays émergents et en développement" (Implicações da recuperação das classes médias na evolução das políticas públicas nos países emergentes e em desenvolvimento) levado a cabo pela "Agence française de développement" (AFD), em parceria com a Universidade de Bordeaux (Gretha) e com a "Sciences Po Bordeaux" ("Laboratoire Les Afriques dans le monde"), tem por objetivo descortinar as classes médias de quatro países em desenvolvimento.

Apesar de os respetivos níveis e trajetórias de desenvolvimento diferirem, o Brasil, a Costa do Marfim, a Turquia e o Vietname têm em comum o crescimento substancial que conduziu à emergência de uma classe média. O estudo baseado nestes quatro países debruça-se sobretudo sobre as características das classes médias, os respetivos comportamentos, aspirações e expectativas. Sem esquecer a influência da recuperação deste novo grupo social sobre as políticas públicas dos países em causa. As conclusões dos trabalhos realizados permitem contrariar quatro ideias preconcebidas sobre esta categoria da população de contornos proteiformes: 

 

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- AS CLASSES MÉDIAS SÃO MUITO SEMELHANTES, INDEPENDENTEMENTE DA LOCALIZAÇÃO: FALSO

Primeira ideia retirada do estudo: é difícil delimitar um quadro comum das classes médias em termos de rendimentos entre países, particularmente nos quatro países estudados, tendo em conta as diferenças de níveis de desenvolvimento económico. 


Se até certo ponto a definição do teto dos rendimentos pode ser harmonizada, o mesmo não se aplica à base, uma vez que ser "não pobre" implica realidades claramente diferentes nestes quatro países. 

No entanto, verifica-se que a classe média representa partes importantes da população na Turquia (75,4%), no Vietname (72,5%) e no Brasil (61,4%). Por outro lado, o peso reduzido da classe média (relativamente aos rendimentos) observada na Costa do Marfim (26,5%) sugere a existência de uma exceção na Costa do Marfim, provavelmente generalizável ao continente africano.

Por outro lado, a noção de classe média veiculada pelos intervenientes do desenvolvimento económico baseia-se essencialmente na transposição das experiências históricas das sociedades ocidentais. Assim, a emergência das classes médias é um processo histórico particular a cada sociedade. E desemboca em tipos diferenciados de classes médias. 

 

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- POR OUTRO LADO, NO INTERIOR DO MESMO PAÍS, PASSA-SE O MESMO… IGUALMENTE FALSO

As classes médias são heterogéneas tanto entre os diferentes países em desenvolvimento como no seio de cada país. Os subgrupos que as constituem não formam um grupo coerente construído em torno de uma consciência social ou política específica. 

As "pessoas do meio" são desde logo pessoas de diferentes meios, cujos níveis e tipos de rendimentos, modos de vida, formas de atividade, ligações intergeracionais, representações sociais e afinidades estão em constante diferenciação e divisão. É discutível afirmar que as pessoas do meio, uma vez que estão no meio, pertencem a classes médias, tendo em conta o estudo levado a cabo pela AFD. 

Supor que, devido à respetiva posição "central", estes grupos se assumem automaticamente defensores da modernidade universal, da democracia e da justiça social é uma hipótese ainda mais discutível.

O estudo comparativo sublinha ainda a notável heterogeneidade interna de cada classe média nacional, nomeadamente em termos de estatuto no emprego, de nível de educação ou de rendimentos. Cada conjunto nacional caracteriza-se pela existência de quatro a seis grupos específicos que se podem explicar através da própria história de cada sociedade. 

Assim, os grupos de agricultores-cultivadores na Costa do Marfim, de pensionistas no Brasil, de empreendedores da Anatólia na Turquia ou de agricultores especializados do Mekong no Vietname não encontram equivalência nos outros países. 

Estes grupos podem englobar pessoas de meios rurais ou urbanos, de cultura moderna e ocidentalizada e populações mais conservadoras, do mundo oficial ou informal, quase-pobres, com algum desafogo económico e quase ricos.

 

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- NO ENTANTO, EXISTEM PONTOS COMUNS ENTRE AS CLASSES MÉDIAS MUNDIAIS: VERDADEIRO

A análise comparativa dos quatro países selecionados permitiu identificar vários elementos relativos a comportamentos e aspirações comuns a estas categorias intermédias. 

Apesar das diferenças de rendimentos consideráveis, as classes médias constituem classes de consumo ou de consumidores, o que se traduz em despesas de consumo elevadas e populações que se deslocam, investem na educação, no alojamento e na saúde. 

A relativa satisfação das necessidades imediatas permite aspirar à promoção do próprio e dos seus, associada à valorização do esforço individual, seja onde for. Tal conduz nomeadamente a uma parte elevada de despesas de educação e de formação dos jovens, estratégias de diversificação dos rendimentos, investimentos no setor predial e imobiliário, mas também à vontade de melhoria do habitat. 

Outra característica: a elevada taxa de endividamento dos agregados familiares da classe média, em particular no Brasil e na Turquia. Paralelamente, materializa-se uma tendência individualista nas trajetórias pessoais dos membros da classe média.


 

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- AS CLASSES MÉDIAS ESTÃO EM PAZ COM O ESTADO: VERDADEIRO E FALSO

As diferentes classes médias nacionais mantêm relações ambíguas e complexas com o Estado, o poder e as políticas públicas. Quer seja em países emergentes ou industrializados, como demonstra o movimento dos Coletes amarelos em França. 

Relativamente aos quatro países estudados, a elevada heterogeneidade socioeconómica das classes médias nacionais destas nações limita a respetiva capacidade de organização coletiva e de influência política. 

Para além disso, apesar da existência de políticas setoriais que visam determinados aspetos da classe média, o estudo constata a ausência de uma política oficial de promoção da classe média enquanto grupo social. 

Tudo se passa como se o poder não procurasse gerar uma classe média, mas sim acompanhar a emergência de uma diversidade de grupos em posição de o sustentar… todos sem possuírem ligações suficientes para se unirem contra ele. Estas situações muito heterogéneas dão origem a relações complexas e afastadas da colusão geralmente imaginada entre classes médias e poder democrático. 


Foco: NO CENTRO DOS DEBATES

As classes médias constaram da ordem de trabalhos da 13a conferência internacional da AFD sobre o tema "Inégalités et lien social" (Desigualdades e relação social), organizada no dia 7 de dezembro em Paris.

É impossível trocar pontos de vista sobre desigualdades sem evocar as classes médias. No "Institut du Monde Arabe" (Instituto do Mundo Árabe) onde se realizou esta conferência de alto nível organizada pela AFD com o apoio da União Europeia, Nizar Baraka, ex-

Presidente do Conselho Económico, Social e Ambiental do Reino de Marrocos, procurou alertar para a "exasperação das populações" perante o risco de "desqualificação social das classes médias". 
Este sentimento "traduz-se na convicção de impotência dos governos em poder fazer face à redução das desigualdades". Do mesmo modo, confirma o sentimento de desafio dos governantes que pode animar as classes médias. 

"As classes médias assentam em empregos estáveis, um quadro regulamentar, trabalho no setor formal e profissões estáveis", resumiu Murray Leibbrandt, Vice-reitor adjunto encarregado do Departamento de Pobreza e Desigualdades da Universidade da Cidade do Cabo na África do Sul. 

Assim, na África do Sul e em outros países, "esta panorâmica do mercado do trabalho formal e regulamentado é ameaçado pela precaridade generalizada", explicou o investigador. Outro fator de stress para as classes médias destacado por Murray Leibbrandt: "A procura de serviços aumenta e com ela a necessidade, por parte das pessoas no topo da pirâmide, de atividades com competências qualificadas, como a informática, em detrimento de outras."

Uma chamada de atenção partilhada por Gisela Nauk, especialista em questões sociais da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental: "Atenção às carreiras fragmentadas bastante presentes nas classes médias. É necessário reformar os sistemas sociais para os adaptar à precarização do mercado de trabalho". Caso contrário, as "pessoas do meio" podem descer alguns degraus da escala social.