Quais as formas das grandes crises no mundo hoje?
São muito mais multiformes do que antes. Elas nascem durante conflitos internos dos países; decorrem geralmente de dificuldades de dividir o poder ou recursos econômicos ou naturais. O substrato dessas tensões é o rompimento de um contrato social que exclui certas comunidades em benefício de outras.
A longa duração do impacto é outra característica dessas crises. Primeiro porque os refugiados deixam a sua casa por muito tempo: em média, ficam no país hóspede durante 17 anos. São 65 milhões de deslocados internos e de refugiados no mundo. Esses deslocamentos de populações – os refugiados em países vizinhos, especialmente – são um desafio para os países envolvidos em termos de serviços públicos e de capacidade para receber essas populações em regiões longínquas onde os serviços básicos são pouco desenvolvidos.
Qual o efeito dessa situação sobre a ajuda ao desenvolvimento?
É preciso sair da lógica do campo de refugiados. E agir sobre as crises com uma abordagem integrada de emergência humanitária e de desenvolvimento social e econômico de longo prazo. Todas as populações devem ser atendidas equitativamente, em um marco de desenvolvimento inclusivo: os refugiados, mas também as comunidades hóspedes, muitas vezes marcadas por uma grande precariedade, e que têm a sensação de serem prejudicadas em relação aos refugiados.
Isso necessita um acompanhamento específico e a constituição de parcerias muito mais fortes que permitam atuar sobre os “3 Ds” ao mesmo tempo: diplomacia, defesa e desenvolvimento. Embora a AFD não financie projetos de defesa e de segurança, a sua missão consiste em construir o contrato social de amanhã graças às sua ações de desenvolvimento. Mas, em zonas de conflito, isso significa contemplar as questões de segurança para tornar as ações pertinentes.
O objetivo é atuar sobre todas as desigualdades, econômicas, territoriais, educacionais, bem como de gênero, pois são elas que alicerceiam os conflitos atuais.
Eu acresentaria um quarto “D”, o de Dinâmica local: o desenvolvimento deve surgir da população, por meio do Estado se este puder encarnar o interesse geral, ou diretamente dos habitante, para que definam por si mesmos as necessidades prioritárias e assumam a demanda de reconstrução do laço social perdido.
Quais as principais ferramentas da AFD para agir?
Temos plena consciência da dificuldade da tarefa e da necessidade de inventar novas ferramentas. Dispomos, desde o ano passado, de uma alavanca financeira específica, o Fundo Paz e Resiliência Minka, que nos permite financiar ações e criar um novo tipo de parcerias em campo. Por exemplo, podemos construir com ONGs locais ou internacionais projetos em regiões difíceis, inatingíveis até então. O Minka focaliza os fatores profundos das crises para evitar que elas prosperem ou se reproduzam. Essa é a primeira vertente da nossa abordagem de hiperparceria.
A Aliança Sahel constitui a outra vertente da nossa vontade de criar parcerias, desta vez com os grandes atores institucionais (outras agências de financiamento, agências das Nações Unidas etc.). Como ter o melhor impacto no Sahel, o mais breve possível, em um número restrito de setores considerados como muito importantes, em parceria com os países do G5 Sahel? A resposta a esse desafio passa por um pacto mútuo. É possível fazer melhor, mas não a sós.
Devemos ter a capacidade de acompanhar esses Estados do Sahel em todas as suas missões: educação, saúde, desenvolvimento territorial e econômico etc. Mais globalmente, e para além do Sahel, é preciso integrar todos os parâmetros das crises para tratá-las a longo prazo com todos os atores envolvidos, e dessa forma evitar a sua ressurgência, ou até mesmo a sua emergência.