Inundações mortais na Líbia, resultando em mais de 10.000 pessoas desaparecidas, incêndios gigantescos na zona do Mediterrâneo, Canadá e Nova Zelândia, terremotos no Marrocos, Síria e Turquia, tufões de dimensões colossais no Pacífico... 2023 foi o ano dos chamados desastres "naturais". No primeiro semestre do ano, esses desastres causaram perdas econômicas de 194 bilhões de dólares, bem acima da média do século XXI, de 128 bilhões de dólares.
A expressão "desastre natural", usada com tanta frequência, não é, entretanto, a mais adaptada à realidade extrema que o mundo enfrenta. “Não deveríamos falar em desastres naturais, já que os resultados catastróficos desses eventos estão ligados, sobretudo, à atividade humana", enfatiza Guillaume Bouveyron, especialista em redução de riscos de desastres da AFD. “Um desastre é resultado principalmente da falta de prevenção e preparação, construções precárias, falta de cultura de risco e sistemas de alerta, ou da escassez de vontade política para reforçar a resistência dos territórios ".
Preparação e prevenção para fortalecer a resiliência das sociedades
Sob o impacto da desregulação climática, mesmo com um aumento de temperaturas de 1,5°C, os riscos hidrometeorológicos serão cada vez mais frequentes e intensos e terão um impacto cada vez maior sobre as populações, sistemas e sociedades. Investir em estratégias de prevenção e preparação contra riscos é um pré-requisito indispensável para fortalecer a resiliência do mundo: "A prevenção e a preparação são os dois pilares da redução de risco de desastres. Elas são complementadas através da fase de resposta emergencial após o desastre, seguida pela etapa de reabilitação/reconstrução. Essas diferentes fases compõem o ciclo de gestão de desastres", explica Pauline Georges, Diretora de Projetos de Redução de Risco de Desastres da Expertise France. Em uma publicação de 2019, intitulada Adaptar agora, a Comissão Mundial de Adaptação afirma que o simples fato de alertar com 24 horas de antecedência sobre a chegada de uma tempestade ou onda de calor pode reduzir em 30% os danos causados. No entanto, uma em cada três pessoas no mundo ainda não vive em uma área com serviços de alerta precoce.
O desenvolvimento de uma cultura de risco na população é um desafio essencial, pois ela permite que as pessoas adquiram uma boa compreensão do perigo (por exemplo, tempestades), além do nível de exposição da população e das infraestruturas a esse perigo, reduzindo sua vulnerabilidade através do fortalecimento de sua capacidade de lidar com ele. Pauline Georges explica: "A própria população é protagonista de sua resiliência. No caso de um ciclone, se a população tiver sido treinada para identificar e entender o risco (compreensão dos níveis de alerta, cumprimento das instruções de segurança provenientes das autoridades, familiaridade com os planos de evacuação etc.), ela saberá qual comportamento adotar para garantir sua segurança. Isso pode limitar o número de situações em que as pessoas enfrentam perigo e aliviará os serviços de emergência. Também acelerará o retorno a uma situação viável, adaptada e desejável".
Redução de riscos para os países em desenvolvimento
Os desastres "naturais" causam, sobretudo, impacto nos países em desenvolvimento, devido a certos fatores de vulnerabilidade, como pobreza, urbanização rápida e informal, desigualdades sociais, falta de governança e conflitos. As perdas econômicas relacionadas a desastres são 20 vezes maiores nos países em desenvolvimento do que nos países do Norte (em termos de porcentagem do PIB). "Um único desastre pode causar impacto em cada um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades, o desempenho dos sistemas de saúde e educação, sem mencionar o impacto sobre os ecossistemas", diz Pauline Georges. Para o Grupo AFD, a prevenção e a preparação para enfrentar desastres devem fazer parte de todas as políticas de adaptação e desenvolvimento, garantindo sociedades mais resilientes e justas. Por isso, o Grupo desenvolveu vários instrumentos financeiros (empréstimos e subsídios) e assistência técnica nessa área. Nas Filipinas, na Ilha Maurício e em Madagascar, a AFD apoia reformas estruturais através de empréstimos com vista a desenvolver políticas públicas voltadas para a redução do risco de desastres.
Desde 2019, a AFD também financia empréstimos de contingência cujos desembolsos estão condicionados ao fato de um Estado declarar emergência após a ocorrência de um desastre "natural". Esse instrumento financeiro permite apoiar reformas institucionais estruturantes na área de gestão de riscos e atender às necessidades imediatas do Estado através da disponibilidade de liquidez.
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Projetos em colaboração com ONGs locais
A AFD também trabalha de mãos dadas com ONGs, apoiando projetos locais capazes de desenvolver a resistência de atores institucionais e populações expostas a desastres "naturais". Por exemplo, no Líbano, nas regiões de Akkar e Bekaa, onde as inundações aumentaram desde os anos 2000, a AFD está trabalhando com atores institucionais libaneses (DRM-U e CNRS-L) e um consórcio de ONGs formado pela Solidarité International, a Cruz Vermelha francesa e a Cruz Vermelha libanesa. O objetivo é reduzir o risco de inundações através da mobilização das comunidades, elaboração de planos de ação e promoção do surgimento de um sistema piloto de gestão de riscos junto às autoridades locais.
Em Moçambique, um acordo de financiamento entre a AFD, a Fundação para a Conservação da Biodiversidade (Biofund) e o WWF tem como objetivo desenvolver a capacidade das partes interessadas locais para lidar com ciclones. O projeto inclui a restauração de manguezais no delta do Zambeze. Verdadeira barreira protetora contra a erosão, ventos fortes e ondas ciclônicas, essa solução baseada na natureza ilustra as sinergias entre a proteção da biodiversidade e a prevenção de desastres naturais. O projeto também envolve a conscientização dos membros das comunidades-alvo sobre as medidas a serem tomadas em caso de inundação, em conjunto com a Cruz Vermelha francesa e a sociedade nacional da Cruz Vermelha moçambicana. "Em áreas remotas onde o Estado não pode intervir, as comunidades e sua solidariedade são a única resposta imediata para limitar o impacto de um desastre. Cabe a nós fornecer os meios para implementar as ações corretas", diz Guillaume Bouveyron.
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O Grupo também apoia a Plataforma de Intervenção Regional do Oceano Índico (Piroi), uma plataforma regional para intervenção, preparação e resposta às consequências de riscos climáticos, naturais e relacionados à saúde das populações, administrada pela Cruz Vermelha francesa com a rede da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho dos países do Oceano Índico. Essa área está altamente exposta a riscos geológicos e climatológicos e aos efeitos das mudanças climáticas. Graças à fase 1 (2019-2021, com financiamento de 3 milhões de euros) e, em seguida, à atual fase 2 do programa Trois Océans (Três Oceanos), o Piroi dobrou sua capacidade de armazenamento e possui um hospital móvel que pode ser implantado regionalmente. Em breve, ele terá à sua disposição um centro regional de especialização, treinamento e inovação.
Expertise France, a operadora internacional de expertise técnica a serviço da resiliência
No contexto de redução do risco de desastres, a Expertise France apoia seus países parceiros, implementando projetos que visam reduzir o impacto dos desastres e fortalecer a resiliência das comunidades, sistemas e instituições. Na Jordânia, a Expertise France, com financiamento da AFD, implementou um projeto para fortalecer os recursos operacionais e a cobertura territorial dos serviços de proteção civil fornecidos pela Defesa Civil da Jordânia (JCD), beneficiando a população que vive principalmente na província de Mafraq. O projeto ajudou a conceber o Civil Protection Office (Centro de Proteção Civil) e o Risk Assessment Office (Centro de Avaliação de Riscos), a fim de detalhar o conhecimento sobre os perigos na área por meio do mapeamento de riscos e da elaboração de planos de contingência. Esse conhecimento aprimorado dos perigos, combinado com o treinamento de proteção civil em determinados riscos (águas agitadas, resgate e limpeza), é a base para uma resposta operacional abrangente dos serviços de emergência, adaptada aos principais desafios.
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