Thomas Mélonio: “Um momento para refletir sobre as trajetórias de desenvolvimento”

publicado em 06 April 2020
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: « un moment pour réfléchir aux trajectoires de développement », AFD
A crise ligada ao Covid-19 tem um impacto considerável na economia mundial e, em particular, nos países em desenvolvimento. Que papéis os financiadores públicos podem desempenhar para limitá-la? Decifragem em três questões com Thomas Mélonio, diretor de Inovação, Pesquisa e Saberes da Agence Française de Développement (AFD).
Thomas MélonioQuais são os riscos econômicos da crise atual para os países em desenvolvimento, sobretudo na África?

Thomas Mélonio :  situação é complexa e preocupante. Os países do sul foram atingidos por um choque econômico importado antes mesmo de os primeiros casos de Covid-19 terem sido declarados no seu território. Este choque propagou-se através de quatro canais: o colapso do setor turístico, a queda do preço do barril, a fuga de capitais para os países desenvolvidos, que fragiliza aqueles que possuem grandes dívidas em moeda estrangeira e, por fim, a diminuição das remessas de fundos dos emigrantes. 

Certos países, como o Gabão, o Congo, Angola ou Moçambique, são hoje afetados simultaneamente pela queda das receitas de suas exportações de petróleo e por uma dívida extremamente alta. 

Agora, a epidemia está chegando, trazendo consigo um elevado custo humano, social e econômico. Tendo em conta o impacto provável sobre o PIB, alguns países não poderão mais contrair empréstimos para reagir, ou irão fazê-lo, pagando um prêmio de risco muito maior, e arriscando-se, por exemplo, a não remunerar determinados funcionários ou médicos e prestadores de serviços de saúde. A crise macroeconômica e a crise sanitária e social alimentam-se mutuamente.


O que os financiadores públicos podem fazer? 

Em primeiro lugar, o FMI e os bancos centrais têm um papel fundamental a desempenhar na injeção de liquidez. Isto é essencial para permitir que os governos, os bancos e as principais empresas possam ter acesso direto a esses serviços. Pelo lado do FMI, isso deveria ser feito através de emissões de direitos de saque especiais (DSE), uma espécie de criação monetária que permitirá, por exemplo, que os países de baixa renda beneficiem de liquidez. 

Os principais bancos centrais também aumentarão a dimensão de seu balanço, ou seja, de fato, isso significa criar moeda, e pôr em prática acordos de SWAP, estes acordos de troca de moedas entre bancos centrais, destinados a países cujas moedas estão desvalorizadas, deixando-os em melhores condições de se defender. Estas duas medidas são essenciais a curto prazo para evitar uma crise demasiado grave.

Além disso, a comunidade internacional está debatendo sobre uma possível moratória sobre os prazos de pagamento das dívidas de alguns países em desenvolvimento. O Banco Mundial e o ministro francês da Economia e das Finanças já se pronunciaram, em princípio, a seu favor. Esta seria uma medida forte, que tem o mérito de trazer benefícios imediatos: cancelar um reembolso e reescalonar uma dívida permite criar espaço para respirar e ajudar a limitar a crise de liquidez. Por outro lado, as condições de uma moratória deste tipo deverão ser cuidadosamente avaliadas, pois não são livres de consequências para os mutuantes, em função dos parâmetros adotados. Por conseguinte, a lógica é que os doadores multilaterais e bilaterais atuem em concertação e com as mesmas condições. Todos devem despender esforços, inclusive os credores privados.

O isolamento generalizado de cada país é um risco significativo. Isto é compreensível do ponto de vista da saúde, numa primeira fase, mas não significa que devamos pôr de lado um plano internacional de resposta à crise sanitária e à crise social que se anuncia. Ora, os problemas não poderão ser resolvidos se cada um ficar no seu canto. A França deve continuar a desempenhar seu papel em matéria de solidariedade internacional. De qualquer forma, é de seu interesse fazê-lo: a saúde é um bem público mundial, os interesses de todos os países estão ligados!


Que papel a AFD poderia desempenhar?

A AFD trabalha atualmente com o Ministério da Europa e dos Negócios Estrangeiros e com o Ministério das Finanças, e em concertação com a Comissão Europeia, para reorientar certos financiamentos e programas em resposta à crise sanitária e social, especialmente na África. Trata-se de uma questão urgente, e é essa a nossa prioridade. 

Numa segunda fase, podemos desempenhar um papel contracíclico forte, que complemente as intervenções maciças do FMI ou dos bancos centrais. Devido às suas relações com um grande número de atores locais, a AFD tem efetivamente a capacidade de tocar aqueles que podem desempenhar um papel essencial para reforçar as capacidades de tratamento e de pesquisa, mas também as PME, cujo papel é muito importante para o emprego ou, ainda, fornecer análises e conselhos para otimizar os planos de relançamento futuros. Nossa forte implantação nos territórios e nosso conhecimento profundo dos atores nos deixa numa posição especial para ajudar as vítimas desta crise.

Uma crise é também um momento que permite refletir sobre as trajetórias de desenvolvimento. Teremos muitos atores a apoiar para sair desta. Nosso papel é fazer com que o relançamento se faça de forma duradoura, isto é, acompanhar as transições energéticas, ecológicas e sociais, e não financiar projetos que se revelem impasses para o desenvolvimento. 

Como sabemos, as necessidades serão muito grandes. Para a AFD, isso implicará fazer ainda mais e melhor.